Protocolo de Cooperação para a Migração Laboral Regulada. Lisboa, 1º de abril de 2025. Crédito: Gonçalo Borges Dias, GPM

Protocolo de Cooperação para a Migração Laboral Regulada. Lisboa, 1º de abril de 2025. Crédito: Gonçalo Borges Dias, GPM

Os buracos no pacote para acelerar a contratação de imigrantes

Falhas estruturais, ausência de orçamento e dúvidas sobre viabilidade colocam em xeque acordo assinado nesta terça (1º)

02/04/2025 às 07:14 | 4 min de leitura | Direitos Humanos
Publicidade Banner do projeto - Oxigênio Financeiro

Com pompa e otimismo, o governo oficializou nesta terça (1º) um acordo para facilitar a contratação, entrada e regularização de estrangeiros —principalmente da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, a CPLP— no país. 

Batizada com o extenso nome de "Protocolo de Cooperação para Migração Laboral Regulada", a proposta tem lacunas que, segundo apurou a BRASIL JÁ com autoridades e representantes do setor privado presentes à assinatura do protocolo, podem dificultar a implementação do plano.   

A oficialização do pacto responde à pressão de setores empresariais fartos das barreiras regulatórias de estrangeiros. A assinatura também vem num momento em que o governo está em funções, isto é, tapando buraco enquanto não são realizadas novas eleições. 

Mas o que preocupa mesmo representantes patronais é a carência da força de trabalho de imigrantes, essencial para garantir que a sociedade portuguesa avance. Um exemplo é a contribuição para a Segurança Social, que em 2024, atingiu o valor recorde 3,6 bilhões de euros em contribuições de estrangeiros. 

Nesse contexto, ocorreu a assinatura do protocolo num dos amplos salões do Palácio das Necessidades, em Lisboa. 

O edifício do século 18, atualmente sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros, já foi residência da família real portuguesa, mas na manhã desta terça estava ocupado por políticos e empresários.

Ao discursar na cerimônia, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, afirmou que as novas regras devem beneficiar ao menos 80 mil trabalhadores imigrantes e que a intenção do governo é que as regularizações ocorram num período máximo de vinte dias. 

O prazo foi recebido com desconfiança já que, em Portugal, há imigrantes esperando meses e até anos para conseguir a autorização de residência. 

Nos bastidores, houve críticas e um ar de ceticismo. É possível resumir as descrenças das pessoas ouvidas pela reportagem em três pontos: 

  • buracos estruturais, como falta de moradia, burocracia e sistemas obsoletos; 
  • falta de orçamento, que inviabiliza a execução da proposta;
  • e dúvidas sobre a viabilidade do plano.

Trabalhadores sem casa

Uma das lacunas do pacote é a falta de soluções habitacionais para os imigrantes que o governo prevê que chegarão. A crise da moradia em Portugal e mais países europeus é crônica, afetando principalmente grandes cidades.

Álvaro Mendonça e Moura, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, afirmou que há empresas querendo construir habitações nas próprias terras —especialmente no setor agrícola essa possibilidade foi aventada. 

No entanto, o representante da confederação lembrou que a regulamentação da nova Lei do Solo ainda não está concluída, o que na opinião dele impede que essas iniciativas privadas avancem. 

E ainda que a falta de uma lei específica sobre solos seja um problema de natureza política, é, ao mesmo tempo, também uma questão estrutural e orçamentária porque não está claro se ou mesmo como o governo incentivaria essas construções.  

Ou seja, sem habitação digna, o plano laboral pode naufragar e, ainda, agravar problemas sociais que já existem, como é o caso da precariedade de alojamentos e a exploração de trabalhadores contratados para ser mão de obra em determinadas épocas do ano. 

"Temos aí quinze dias para fechar esses pontos. Não é apenas uma questão de trazer trabalhadores, é preciso acolhê-los com dignidade. E não podemos permitir que isso fique só por conta das empresas", afirmou o presidente da Confederação dos Agricultores. 

Sem orçamento garantido

Uma pergunta que a reportagem fez ecoar entre todos os entrevistados foi: "De onde virá o dinheiro para que esse plano funcione?". Ainda que o governo não construa casas para trabalhadores que cheguem de fora, outros pontos do plano dependem de investimento e modernização da máquina pública. 

É o caso do sistema tecnológico da Agência para a Imigração e Mobilidade e a Segurança Social. A Aima, sobrecarregada de processos, passou por mudanças na virada de governo. Alterações que até então se mostraram insuficientes. No ano passado, o sistema da agência teve inúmeras quedas

O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, foi uma das autoridades presentes no ato de assinatura que, embora perguntado pela reportagem, não se dispôs a detalhar se há orçamento previsto para tirar do papel o acordo e investir em áreas que sejam de responsabilidade do governo.

Por outro lado, o ministro da Economia, Pedro Reis, reconheceu em fala à BRASIL JÁ que ainda não há orçamento aprovado. Ou seja, o chefe da pasta indica que será necessário investimento público e disse acreditar que os recursos virão —sem detalhar de onde nem quanto. 

Por outro lado, o empresariado não ignorou os buracos de informação do projeto. O presidente da Confederação de Agricultores foi mais direto em relação ao dinheiro. "É um projeto lindo no papel, mas, sem orçamento, não será mais uma promessa vazia?", perguntou de forma retórica. 

Ainda assim, Álvaro Mendonça e Moura afirmou, em nome dos empresários, que confia que o governo aportará mais do que regras ao plano. 

Confederações duvidam de prazos de vinte dias 

O acordo assinado também prevê que a partir da solicitação e entrega dos documentos, o processo de regularização de um trabalhador estrangeiro será concluído em até vinte dias —um prazo que causou incredulidade entre representantes patronais no evento.

Em Portugal, há imigrantes esperando meses e até anos para conseguir a autorização de residência. A saída mais rápida para esses trabalhadores, porém, gera mal-estar interno. A Aima está em permanente atraso no atendimento ao público. 

Ou seja, ao ser pressionado pelo empresariado, o governo encontrou uma forma de privilegiar a entrada de determinados profissionais. Foi o mesmo que ocorreu em julho do ano passado, quando foi criado uma espécie de passe VIP para atletas estrangeiros

Presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, João Vieira Lopes optou por abordar a questão de maneira diplomática e incisiva. “Queremos ter uma expectativa positiva, mas é um pouco [prudente] esperar para ver”, resumiu. 

Ao ouvir de Montenegro que o período de análise e resolução será curto, os representantes de confederações demonstraram estar preocupados principalmente com o estrangulamento dos serviços públicos, especialmente da Aima e da Segurança Social. 

"Há engarrafamento nos sistemas. Talvez vinte dias não sejam realistas", opinou um dos empresários do setor da construção.

'Sem trabalhadores estrangeiros, país não crescia' 

A despeito dos problemas objetivos apontados por seus pares, o presidente da Confederação dos Agricultores, Álvaro Mendonça e Moura, lembrou que o crescimento da economia portuguesa, desde 2014, "só foi possível graças à mão de obra estrangeira". 

Ele listou números dizendo que são cerca de meio milhão de trabalhadores estrangeiros contratados, representando 13,4% do total no país. 

Em alguns municípios como Ferreira do Alentejo e Albufeira, disse o representante da confederação, esse número ultrapassa os 50%. 

Para Mendonça e Moura, há problemas históricos que o Estado não antecipou, como "sequer adequar os seus recursos humanos à medida das novas exigências".

"Sem a vinda desses trabalhadores, teria sido impossível que Portugal tivesse registrado os níveis de crescimento que se verificaram desde 2014", completou. 

E para bons entendedores, o recado dele foi endereçado diretamente a Montenegro: "A falta de recursos humanos no governo não pode afetar acordo para imigração regulada".

Editor de texto e de página: Nicolás Satriano

Imagens: Gonçalo Borges Dias, GPM

Editor de conteúdo: Nicolás Satriano

Editor-chefe: Nonato Viegas

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba no seu email o melhor do jornalismo da BRASIL JÁ

Ao se cadastrar você declara que leu e aceitou nossos Termos e Condições

MENSAGEM AOS LEITORES


Jornalismo brasileiro na Europa


Você, leitor, é a força que mantém viva a BRASIL JÁ. Somos uma revista brasileira de jornalismo em Portugal, comprometida com informação de qualidade, diversidade cultural e inclusão.


O assinante da BRASIL JÁ recebe a revista no conforto de casa, acessa conteúdos exclusivos no site e ganha convites para eventos, além de outros presentes. A entrega da edição impressa é para moradas em Portugal, mas nosso conteúdo digital, em língua portuguesa, está disponível para todos.


Ao assinar a BRASIL JÁ, você participa deste esforço pela produção de informação de qualidade e fica por dentro do que acontece de interessante para os brasileiros na Europa e para todos os portugueses que valorizam a conexão das identidades entre os dois povos.


Participe da BRASIL JÁ. Seja bem-vindo!


Apoie a BRASIL JÁ

Últimas Postagens