
Kalama Harris na chegada à convenção do partido Democrata Crédito: Will Oliver, EPA, Lusa
O novo rosto da política americana
A candidatura de Kamala Harris à Presidência dos Estados Unidos confunde estereótipos raciais e de gênero e deixa claro o desconforto conservador sobre a verdadeira identidade americana
Em sua autobiografia “The Truths We Hold”, Kamala Harris assim escreveu: “Meu nome significa ‘flor de lótus’, um símbolo de muito significado na cultura indiana. Um lótus cresce debaixo d’água, com sua flor subindo acima da superfície enquanto suas raízes ficam plantadas firmemente no fundo do rio”. Como a flor de seu nome, a candidatura de Harris à Casa Branca se firma em raízes profundas e ocultas à primeira vista. Muitas predecessoras e predecessores prepararam o terreno para que uma mulher negra, filha de imigrantes vindos da Índia e da Jamaica pudesse concorrer ao cargo mais poderoso do mundo com chances reais de ganhar. Lançada às pressas após a fragilidade do presidente Joe Biden ficar exposta em um debate desastroso, a candidatura de Harris divide os Estados Unidos. De um lado, reúnem-se aqueles para quem é perfeitamente natural e bem-vinda a perspectiva de uma mulher que não é branca vir a presidir o país, sendo a própria Harris e suas origens diversas um retrato de uma nação multicultural que sempre foi. Em contraposição, fantasmas persistentes dão as caras. Donald Trump e aliados têm usado ataques racistas e misóginos contra Harris, acusando-a desde não ser inteligente e bonita, até de supostamente não ser americana, em uma reedição das injúrias lançadas também contra Barack Obama.
No cerne desta cisão, uma questão fundamental subjaz: quem é verdadeiramente americano? Americanos são aqueles de todas as raças, gêneros e origens, independentemente de onde suas famílias tenham vindo, unidos por uma história nacional e um território em comum? Ou essa identidade está reservada apenas para os brancos, preferencialmente cujas famílias estão nos Estados Unidos há várias gerações? “Não existe um símbolo único para Kamala, assim como não existe um só símbolo para raça. É fascinante que as pessoas possam projetar o que quiser sobre ela. Isso permite que racistas imponham seus estereótipos problemáticos. Ao mesmo tempo, outros podem se identificar com diferentes aspectos de sua identidade —seja sua negritude, sua herança sul-asiática ou simplesmente por ser uma mulher miscigenada", afirmou à BRASIL JÁ Ralina Joseph, diretora do Centro de Comunicação, Diferença e Equidade (CCDE) da Universidade de Washington, em Seattle.
‘A personificação das nossas histórias’
Realizada entre os dias 19 e 21 de agosto em Chicago, a Convenção do Partido Democrata, que oficializou a candidatura de Harris às eleições de 5 novembro, buscou mostrar uma ideia de país tolerante e acolhedor dos mais vulneráveis. O discurso de Michelle Obama foi recebido como um dos mais inspiradores. A ex-primeira-dama descreveu a candidatura de Harris como um exemplo do sonho americano: “É um tributo à mãe dela, à minha mãe, e à sua mãe, também. É a personificação das histórias que contamos a nós mesmos sobre este país. A história dela é a sua história. É a minha história. É a história da grande maioria dos americanos que estão tentando construir uma vida melhor.” A história real da família de Harris ilustra mesmo a busca por uma vida melhor, como é a história de muitos imigrantes, não apenas nos Estados Unidos. Poderia ser a história de qualquer imigrante, inclusive em Portugal.