Quando Letícia Gurgel desembarcou em Portugal, em 2019, trazia na bagagem a esperança de um recomeço e a incerteza de criar seu filho, Miguel, então com 11 anos, em um país desconhecido.
A adaptação inicial em Braga foi seguida por uma separação conturbada, marcada por violência doméstica, que a forçou a ir para a Margem Sul de Lisboa com o filho.
"Eu vim sem conhecer ninguém. Trabalhar, ainda ter um filho autista e ser mãe solo não é nada fácil", conta a designer de interiores de 40 anos. Ela, como tantas outras, enfrenta diariamente o equilibrismo entre a necessidade de garantir o sustento e o desejo de estar presente na vida do filho.
A falta de uma rede de apoio tradicional, a dificuldade em conseguir empregos que respeitem as necessidades da maternidade, o medo da precariedade e o peso da responsabilidade recaem sobre os ombros dessas mulheres.
Em resposta a essa realidade, surgem iniciativas como o grupo "Mãe Imigrante", um espaço virtual —mas não só— onde a troca de experiências, o acolhimento e a informação se tornam ferramentas poderosas para enfrentar a dupla —ou tripla— jornada em solo português.
O grupo no WhatsApp tornou-se uma ferramenta virtual com impacto real na vida de 149 brasileiras em Portugal, número registrado até a publicação desta reportagem. E é com essas mães que conversamos para construir esta matéria.
Conciliando trabalho e maternidade na imigração
Diferente do que podem pensar aqueles que nunca fizeram este movimento migratório, aquilo que parece ser somente uma mudança geográfica, é, na verdade, uma reconfiguração completa da dinâmica entre vida profissional e pessoal.
No meio disso, a solidão é, talvez, o fantasma mais persistente a assombrar as mães imigrantes. A gerente de contas Paula Poslednik sentiu isso na pele quando chegou em 2019. O choque cultural inicial, a estranheza com os costumes locais e a distância da família a mergulharam em um período difícil, com crises de pânico e depressão.
"Tudo aquilo que eu estava vendo de Portugal, que eu achava lindo, comecei a achar tudo feio", confessa.
Entretanto, a oportunidade de retomar sua carreira remotamente para uma empresa no Brasil foi um ponto de virada.
"De manhã eu consigo fazer minhas coisas, eu levo minha filha para a escola [...] depois eu chego [...] faço o almoço, e aí sento aqui e começo a trabalhar", descreve Paula.
Embora o home office traga flexibilidade, o fuso horário impõe desafios, estendendo a jornada até tarde da noite, reduzindo o tempo de convivência com a filha. “Quem sente mais é minha filha, né? Porque ela fica o dia inteiro na escola, então quando ela chega, quer ficar junto, mas eu tenho que ficar trabalhando até tarde.”
Para Letícia Gurgel a conciliação é ainda mais complexa. Como mãe solo de um adolescente autista, a busca por um emprego que permita flexibilidade tornou-se uma luta constante.
"Meu trabalho sempre foi minha prioridade", afirma, explicando que a independência financeira é crucial para sustentar a si e ao filho Miguel, de 17 anos. Ela confidencia que vive entre a pressão e o medo de perder o emprego que muitas mães imigrantes sentem ao tentar adaptar o trabalho às suas necessidades familiares.
Caroline Aquino, que chegou para um mestrado e acabou casando com um português e empreendendo, também viveu suas frustrações.
A burocracia implacável do antigo SEF, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que a fez pagar uma multa e atrasou a chegada de sua autorização de residência, e as dificuldades de adaptação a um sistema onde "cada lugar é uma coisa diferente", minaram sua confiança inicial.
"No início eu me senti uma pessoa muito sem direitos", relembra. Grávida da primeira filha, encontrar o grupo "Mãe Imigrante" trouxe um "senso de pertencimento muito grande", um lugar para trocar informações confiáveis e se conectar com outras mulheres que entendiam os percalços da vida imigrante.
Mesmo Mariana Santana, a líder do grupo, tem ainda suas dores. A decisão de deixar a carreira de publicitária e advogada no Brasil para se dedicar aos filhos pequenos e, posteriormente, a imigração, trouxeram a experiência da falta de rede de apoio e da solidão.
"A maternidade vem com uma solidão imensa. Às vezes você está até acompanhado [...] mas é uma solidão de ordem emocional", reflete.
Essa vivência pessoal alimenta sua dedicação em manter o grupo como um porto seguro para tantas outras mães.
Após a mudança para Portugal e com os filhos mais crescidos, a tentativa de reinserção no mercado na sua área não foi bem-sucedida. "Não tenho conseguido", admite. Agora, sua estratégia é uma nova transição de carreira, estudando contabilidade enquanto é dona de casa.
A força da coletividade
O grupo "Mãe Imigrante" não nasceu por acaso. Sua criação, em 2023, partiu de uma necessidade identificada pelas fundadoras da Plataforma Geni, um espaço online já conhecido por abrigar diversas comunidades de apoio a mulheres brasileiras em Portugal.
"A gente tem a pretensão de criar um grupo voltado para mãe, mas eu não sou mãe, então a gente não se sente competente nem à vontade para moderar um grupo desse tipo", explicou a fundadora da plataforma, Carol Vieira, a Mariana Santana, na época.
Mariana já era mãe de dois meninos e ativa na moderação de um grupo de apoio à amamentação. Seu perfil engajado e alinhado à militância materna fez dela a escolha natural para liderar a nova iniciativa. "Eu falei: então tá bom, eu topo, vamos criar", conta Mariana.
O objetivo era claro: construir uma rede de apoio específica para as mães imigrantes, um espaço seguro para compartilhar as dores e as delícias da maternidade longe de casa. O grupo cresceu organicamente, divulgado principalmente dentro da própria Plataforma Geni, e hoje reúne mulheres com trajetórias diversas.
No dia a dia, o WhatsApp se transforma em um fórum de trocas. Dúvidas sobre a saúde dos filhos, percalços na escola, dicas de passeios, informações sobre médicos, creches ou processos burocráticos circulam livremente.
Mas o grupo vai além do utilitário. É um espaço de escuta e acolhimento, onde desabafos sobre a exaustão da dupla jornada, a saudade da família, as crises de ansiedade ou as dificuldades de adaptação são recebidos com empatia e sem julgamentos.
"Eu acho que o grupo tem sido muito colaborativo [...] tem funcionado com muito altruísmo mesmo das meninas, de dividir informação, de trocar, de passar experiência", avalia Mariana.
A postura, segundo ela, é "muito de compreender, acolher e não ditar regras", criando um ambiente onde cada mãe se sente à vontade para ser vulnerável e encontrar apoio.
A integrante Letícia Gurgel reforça a importância desse acolhimento: "Saber que não está sozinha, isso é muito importante". Paula Poslednik reforça: "Isso esquenta o coração, né? Você conversar com gente que entende o que você está sentindo".
O grupo, embora seja virtual, muitas vezes transborda para o mundo real, gerando amizades e um senso de comunidade. Elas já fizeram alguns encontros presenciais e, apesar das dificuldades logísticas, a intenção é multiplicar essas atividades em comunidade.
Como encontrar o grupo
Para as mães brasileiras que estão em Portugal e buscam essa conexão, o grupo "Mãe Imigrante" pode ser um ponto de partida.
A porta de entrada é a Plataforma Geni, que hoje conta com mais de 30 mil seguidores no Instagram.
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