Diretora e coreógrafa Deborah Colker. Crédito: Divulgação

Diretora e coreógrafa Deborah Colker. Crédito: Divulgação

Deborah Colker entre o primitivo e o erudito

Espetáculo 'Sagração', que estreia nesta quarta (26) em Lisboa, é recheado de brasilidade

25/03/2025 às 10:37 | 6 min de leitura | Cultura, Diversão e Arte
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Movimento é uma das palavras que melhor define a diretora e coreógrafa carioca Deborah Colker. Aos 64 anos, manter mente e corpo sempre ativos é um de seus lemas, seja na vida pessoal ou na profissional. 

Fora da correria de espetáculos, Colker contou ser adepta de hábitos corriqueiros como cuidar de plantas, andar de bicicleta e estar em família. Em Portugal, ela não deixa passar um bom prato de bacalhau —a iguaria preferida— e é fã de tomar um galão, como é chamado o café com leite nas padarias daqui. 

Mãe e avó, há três décadas a artista está à frente da companhia de dança que leva seu nome. Durante os anos, Colker já coreografou comissões de frente do Carnaval do Rio de Janeiro, a abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016, espetáculos do Circo de Soleil, óperas, musicais e mais. 

Antes de vir a Portugal para a estreia de "Sagração", Colker estava em Nova York ensaiando uma ópera —e já está comprometida com outra apresentação obra sobre Frida Kahlo e Diego Rivera, para o início de 2026. Ambos shows serão no tradicional Metropolitan.  

No Tivoli, em Lisboa, "Sagração" chega para o público nesta quarta (26), seguindo até domingo (30). 

Em entrevista a BRASIL JÁ, Colker falou sobre as dores e glórias da carreira de coreógrafa, que segundo ela requer sacrifício, dedicação e paixão.

'Sagração' foi criado a partir do clássico russo 'A Sagração da Primavera', de Igor Stravinsky - Crédito: Divulgação


Você diz que "Sagração" poderia ter sido feito por uma criança. Por quê? 

Porque ele tem essa ideia do bambu. Tudo é bambu e como é que esse bambu constrói uma floresta, constrói um barco, constrói uma casa, uma oca, ele vira uma arma, ele inaugura a caça...  Criança não faz isso? Fica brincando e com uma certa ingenuidade... 

E lúdico ao mesmo tempo…

Isso! E assim é um pouco despretensioso… Porque já é uma pretensão muito grande eu querer adaptar a “Sagração da Primavera” [risos]. Pegar a “Sagração da Primavera”, de Stravinsky, que é uma obra que rompeu a música e a dança, em 1913, uma obra que inaugura caminhos novo. É complexo o que ela causou, [e isso] já é uma pretensão. 

É um desafio, não? 

Eu demorei anos e eu sabia que eu tinha essa missão. E aí, teve um momento que eu decidi fazer. Porque a primitividade, ela tem a ancestralidade, e você tem que voltar e se conectar… 

E o Stravinsky faz isso porque a música, o tempo inteiro, ele vai construindo uma música, que vai dialogando o primitivo e o erudito, o clássico. 

E tem mais: o bambu tem uma coisa muito legal porque ele é uma planta, ele é símbolo da tolerância, ele enverga, mas não quebra, ele não é rígido, ele é flexível, ele tem flexibilidade. 

Isso faz uma alusão ao seu estilo de vida, Déborah? Sua construção profissional e pessoal caminha por ser flexível e forte e rígida? 

Acho que sim, acho que nunca pensei nisso, achei legal isso que você falou, porque o bambu é uma planta e ele tem todas as possibilidades, ele é arquitetura, ele constrói formas, ele constrói cidades... 

E outra coisa: ele pode ser completamente indígena e pode ser completamente japonês, chinês.

Deborah Colker. Crédito: Divulgação

Como você faz a seleção de bailarinos para os seus espetáculos? Conta o bastidor da Deborah coreógrafa da companhia.

Agora é um momento em que eu estou lidando com três espetáculos: Cão Sem Plumas”,  “Cura” e “Sagração”. São três espetáculos muito ritualísticos, muito primitivos, ancestrais. É [feito para] um corpo que não pertence a nenhum estilo de dança. 

 "Sagração" é antes dos portugueses terem chegado no Brasil. Já tínhamos muitos Brasis. Então, já tinha aqui um povo indígena, um povo que precisava lidar com essa floresta. 

E Sagração é isso? 

É! Sagração é exatamente isso. É a relação do homem com essa natureza, com o primitivo. É sagrar, é brotar, é celebrar. 

Eu fiquei pensando muito em como é que eu ia chamar esse espetáculo porque eu não queria chamar de Sagração da Primavera, porque eu trouxe a Sagração para o Brasil.

Eu trouxe para o nosso primitivo, eu queria contar da minha maneira, eu, como uma brasileira, como um carioca. Eu como uma pessoa que queria trazer algo clássico, um clássico dos clássicos, mas eu queria trazer para agora, com o que que a gente está precisando homenagear, fortalecer. 

Então, quis trazer a nossa ancestralidade. Então, para os bailarinos, tanto clássicos quanto do jazz, quanto dança de rua, todos os estilos tomam uma surra, porque a gente tem que construir um corpo primitivo —e é um corpo que vai contando a história da evolução desse corpo humano. 

Como é esse bailarino ou bailarina que você precisa? 

Eu tenho que ter um profissional que tem que ter técnica, tem que ter balé clássico, técnica clássica. Mas por quê? Eu falo por quê sim! 

A melhor técnica para alguém é quando ela é o mais completa possível, quando ela consegue desenvolver e criar possibilidades para esse corpo, que é o seu instrumento, para poder te dar a maior liberdade possível, para poder você enlouquecer. 

A Companhia de Dança Deborah Colker celebrou trinta anos em 2024 e tem quinze espetáculos no currículo - Crédito: Divulgação

Para a coreógrafa, é melhor  ter um profissional que tem uma técnica —no caso clássica— que se você tiver que lapidar e dirigir, consegue ter um resultado mais satisfatório para o espetáculo, não é isso? 

Sim! Mas quem dera que fosse assim (risos). Porque a cabeça do bailarino e a emoção da pessoa também é muito importante. Você pega, às vezes, um bailarino clássico que tem a cabeça fechada, que não consegue se abrir para rastejar no chão, para usar o chão, para usar o corpo de uma maneira não retilínea, aí é jogo duro. 

Às vezes, você tem um cara com muita técnica, mas ele não está pronto para entregar o corpo dele para outras experiências.

E você, como coreógrafa, busca inovação. Você busca um profissional, um bailarino, que consiga ser plural? 

Essa palavra é muito boa, gostei. Vou roubá-la para mim (risos)  Eu preciso de um bailarino plural! 

Você está com outra ópera no Metropolitan, de Nova York. Conta sobre esse trabalho que estreia em 2026. 

Eu já estou fazendo essa ópera que, na verdade, comecei efetivamente quando acabei a outra. Essa é sobre Frida Kahlo e Diego Rivera, e isso é uma novidade na minha vida porque o Metropolitan é o único lugar que eu preparo tecnicamente o palco antes dos ensaios. 

Eu faço um ensaio técnico só com a parte de criação, com o iluminador, com o cenógrafo, com o figurino, com a projeção, com tudo ali antes. É um trabalho que demanda uma decisão estética e técnica antecipadas. Eu tenho que estar com tudo pronto antes dos ensaios. 

É um desafio muito maior? 

Quando você faz uma comissão de frente, você ainda é um coreógrafo, mas quando você dirige uma ópera, mesmo que eu esteja coreografando também essa ópera, eu tenho que ser uma diretora, ter uma visão macro, ampliada.

Deborah Colker e uma das bailarinas de sua companhia durante ensaio no Rio de Janeiro - Crédito: Reprodução

Tem saudade do Carnaval? 

Eu gosto muito do carnaval, mas estou achando bom dar esse tempo, sabia? A primeira comissão de frente que fiz foi nos anos 1990, e fui das primeiras pessoas a tirar a velha guarda da comissão de frente e a começar a trazer tripé… Só que a comissão de frente virou... [pausa] Não só uma apresentação.

Um carnaval?

[risos] Virou assim um… [pensativa] E aí eu não sei, às vezes eu concordo… Eu não quero falar, mas eu acho que o carnaval está passando por um processo que nem eu estou com o Stravinsky, que eu estou com o primitivo dialogando com o erudito. 

Eu acho que o samba tem uma ancestralidade, tem uma história, tem uma conexão com a África, tem uma conexão com a terra, com a pele do Brasil. 

Como é que você lida com a inovação, com a tecnologia e não perde isso? Eu acho que isso vai dar uma mexida e por isso estou gostando de ficar de fora um pouco.

O que você faz no seu tempo livre? Quais são os seus hobbies? Qual é o seu lazer? 

Eu sou uma avó. Eu tenho três netos. Eu tenho o Théo, que é um neto especial, que tem 15 anos, tem uma doença rara e então eu me dedico muito a essa lida com a cura do que não tem cura. O Theo me demanda muito uma busca científica, me demanda muito um questionamento de valores, de entender a sociedade, de entender as leis humanas, os valores humanos. Mexe muito comigo, muito. 

E eu tenho outros dois netos, ainda irmãos de Théo. Eu tenho dois filhos, eu tenho a companhia, eu tenho as minhas manutenções estéticas, filosóficas, porque é muito importante isso, você não parar de olhar para si, de estudar.

Deborah Colker é casada há 17 anos com o cantor Toni Platão, que se recupera de um acidente vascular cerebral que sofreu em novembro de 2024 - Crédito: Acervo Pessoal

O que é ser um artista? 

O artista é um cara que vai expressar algo que está completamente dentro dele, e ele vai expressar de uma maneira que ele vai escolher, e que ele tem que conseguir traduzir o que ele está pensando, o que ele está sentindo, conectado com o que está acontecendo agora. 

Depende se ele tem 20 anos, se tem 40, se tem 60, quanta experiência ele teve, quanto ele estudou, quantas coisas ele deixou de fazer, quantas coisas ele fez… A arte é uma experiência que é parecida com um sonho, ela desorganiza a realidade, ela propõe caminhos novos, ela é científica, ela é tecnológica, mas, ao mesmo tempo, ela tem de ser inspirada, ela tem de ser poética. Ela tem de vir com muita espontaneidade.

E viver de arte no Brasil, como é? 

Tem de ter muita paixão, tem de ter muita obstinação, porque, cara, a sensação que é que você mata um leão por dia, não tem nunca uma estabilidade, um conforto. É jogo duro e tem de ser incansável —e cansa. 

E eu sou muito exigente comigo mesma, sou exigente com bailarinos, sou insuportável.

E dirigir uma companhia tantos anos é muito cansativo. Eu tenho vários amigos coreógrafos que vêm aqui, vêm ensaiar, visitar e me perguntam como aguento, e eu não sei dizer. Lá se foram cinco anos, dez anos, quinze anos, trinta anos... 

Eu arrisco a dizer que isso chama paixão!  É isso que te preenche? 

(Suspiro emotivo) Preenche… 

"Sagração" em Lisboa até domingo (30) - Cartaz: Divulgação

Editor de texto e de página: Nicolás Satriano

Imagens: divulgação

Editor de conteúdo: Nicolás Satriano

Editor-chefe: Nonato Viegas

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