Cientista política Ana Paula Costa assume a presidência da Casa do Brasil de Lisboa. Crédito: Déborah Lima, BRASIL JÁ
'Dignificar a CPLP' é um dos objetivos da nova presidente da Casa do Brasil de Lisboa
Assumiu o cargo nesta quinta (23) a cientista política Ana Paula Costa, após nove anos de trabalho na entidade: 'Há uma agenda política interna que criminaliza a imigração'
A cientista política Ana Paula Costa assume nesta quinta (23) a presidência da Casa do Brasil de Lisboa, onde começou como voluntária e passou por diversos cargos, incluindo o de vice-presidente, que agora será assumido por Cyntia de Paula, que antes liderava a instituição.
Filha de Paulo César e Ângela, a brasileira de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, deixou a terra de Roberto Carlos para estudar na Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais. Foi lá que conseguiu um intercâmbio na Universidade de Coimbra.
Em 2016, Costa atravessou o Atlântico e decidiu ficar de vez no país do velho continente. O primeiro contato da cientista política com a associação que agora preside foi durante sua pesquisa de mestrado, quando investigava as políticas de imigração em Portugal.
A instituição, com 33 anos de história, é uma iniciativa pioneira de brasileiros em Portugal e foca na defesa de direitos, integração e promoção da cultura brasileira.
A casa também oferece serviços gratuitos, como orientação jurídica, suporte psicológico e ajuda na busca por emprego. O que sustenta financeiramente a instituição, segundo Ana Paula, são recursos europeus e parcerias, além de doações e contribuições de associados.
Em entrevista à BRASIL JÁ, a nova presidente falou do compromisso com o combate ao racismo e à xenofobia, e a políticas que dificultem a regularização de imigrantes, como a revogação da manifestação de interesse.
Para a nova presidente da Casa do Brasil de Lisboa, a decisão de extinguir a manifestação, tomada no ano passado pelo governo de Luís Montenegro, pode aumentar a exploração e a irregularidade dos estrangeiros, prejudicando a economia e o desafio demográfico de Portugal.
Costa também fez considerações sobre a necessidade do diálogo com governos e demais instituições, embora seja crítica políticas restritivas e o discurso recente de tentativa de criminalização da imigração.
Há uma agenda política interna que criminaliza a imigração e tenta fazer uma guerra cultural por essa diversificação dos fluxos da imigração com base no desconhecimento
Na nova gestão, um dos propósitos dela é pressionar a melhoria das autorizações de residência para membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa e ampliar o suporte aos imigrantes, consolidando a casa como um espaço de acolhimento, integração e luta pelos Direitos Humanos.
Confira trechos da entrevista com a nova presidente da Casa do Brasil de Lisboa:
Uma das suas primeiras atividades na Casa do Brasil de Lisboa foi como voluntária. No que consistia esse trabalho?
Como voluntária eu fazia tudo. Ajudava nas atividades, apoiava na elaboração dos documentos, era um pouco de tudo. Depois, entrei como funcionária, integrei a diretoria, fui vice-presidente e agora estou como presidente.
Foi um percurso que, dentro da organização, acho que eu fiz o caminho que foi de trabalhar numa causa que eu acredito.
E o que é a Casa do Brasil de Lisboa?
É a primeira associação de imigrantes da comunidade brasileira em Portugal. Foi criada em 1992. Vamos fazer 33 anos em 2025. É uma associação sem fins lucrativos que sempre esteve envolvida na defesa do direito das pessoas imigrantes, na construção de políticas públicas igualitárias para todas as pessoas que vivem aqui em Portugal, na promoção da cultura brasileira, na orientação e encaminhamento das pessoas imigrantes. [...] É um espaço de promoção dos direitos das pessoas imigrantes, promoção da cultura, em particular a cultura brasileira.
É um espaço de militância, de luta, que reúne muitos coletivos também, muitos grupos que utilizam a casa para se organizar, para trabalhar conosco e é um espaço de acolhimento também, seja pelas nossas atividades, que são muitas, desde o grupo acolhida, desde o Casa Acolhe, que é mesmo dirigido para questões psicológicas, de saúde mental, mas também as relações que aqui se criam, de convívio, de integração, de acolhimento, a casa sempre teve esse papel.
Quais suportes que ela dá para o imigrante?
O nosso carro-chefe é o gabinete de orientação e encaminhamento, que de segunda a sexta faz atendimento às pessoas imigrantes. Também apoia nos contatos e reivindicação dos direitos como acesso à saúde, acesso à habitação, tem muitas questões do apoio social, toda essa intermediação, gabinete de orientação e encaminhamento faz.
Esse é o nosso carro-chefe, que é a porta da Casa do Brasil porque a nossa existência, como eu disse, é para a defesa dos direitos das pessoas imigrantes e desde o terreno mesmo, desbloqueando e tendo esse contato direto com as pessoas, senão não faria sentido.
Depois temos muitas outras atividades como debates, o grupo acolhida que é um grupo de ajuda mútua muito direcionado para as pessoas recém-chegadas que têm dificuldades ou que querem mesmo partilhar o seu processo de imigração; temos o Casa Acolhe, que é um grupo de psicólogas e terapeutas que reúnem para fazer atendimento aqui na Casa do Brasil a preços sociais.
Temos o Migramyths, que é um outro projeto, mais voltado para a desconstrução de preconceitos estereótipos sobre a migração, mas também racismo, xenofobia, discurso de ódio. Temos ainda um gabinete de apoio ao emprego, que ajuda as pessoas na formulação dos currículos, preparação para as entrevistas de emprego.
E de onde vem o dinheiro para ela existir? Eu lembro que ano passado houve algum hiato de falta de orçamento.
Foi em 2023, sim. Todos esses projetos que nós temos são projetos financiados por fundos europeus públicos, geridos por Portugal. O principal deles é o Fami, que é o Fundo de Asilo, Migração e Integração, é o fundo da União Europeia, que em Portugal é gerido pelo governo português, cada estado-membro tem uma cota desse fundo.
Outros financiamentos que nós temos, não esse ano porque atrasou o ano passado, que é o PAI, o Programa de Apoio ao Associativismo Imigrante, esse do governo português, é de Portugal, que é gerido agora pela Aima e pelo ACM [Alto Comissariado para as Migrações]. Nós sempre concorremos para esses projetos, nós escrevemos os projetos, concorremos nesses financiamentos e ganhamos ou não.
Outros projetos são em parcerias com redes fora de Portugal, nós fazemos parte de uma plataforma que se chama Redes Sem Fronteiras, que faz parte de outra plataforma, chama Solidar, a nível da Europa e do mundo, que nós conseguimos alguns financiamentos, submetendo projetos também ou fazendo atividades.
Temos muitas parcerias com outras associações, de imigrantes ou não, e com as universidades. Então, muitas vezes o nosso financiamento vem daí.
Temos os sócios, claro, e alguns apoios diretos. Hoje, temos apoio direto da Câmara de Cascais, porque temos um gabinete lá de orientação e encaminhamento, mas é específico da Câmara, e algumas doações. Essa é a nossa sustentabilidade, basicamente.
Isso sustenta a associação como um todo, ou tem serviços que os imigrantes precisam pagar?
Não, não, todo o atendimento da Casa do Brasil é gratuito, as pessoas podem se associar, se quiserem, mas não é vinculativo. Independente se é sócio ou não, a pessoa é atendida pelo gabinete. Nós não cobramos nem podemos, porque é um projeto financiado, né?
Quantos são associados hoje?
Nós temos cerca de duzentos sócios ativos, que são pagantes.
É um número pequeno se comparado com os imigrantes brasileiros em Portugal...
Sim. Hoje, nós temos essa dificuldade em geral, não é com a Casa do Brasil, nós vemos que isso é do movimento associativo. Nem da imigração, nem Casa do Brasil. Associações, de forma geral, não é como no passado que as pessoas se associavam, participavam muito ativamente enquanto sócios, as pessoas participam de outras formas, o mundo mudou.
E é claro que ter sócio é importante porque pertencer é fundamental, porque é dos sócios e é da participação que se faz a associação, mas nós também temos esse entendimento que há outras formas de participação, e estamos abertas para elas.
Para se associar, pode entrar no nosso site www.casadobrasildelisboa.pt. Tem lá o Iban e a ficha de sócio; ou pode mandar um e-mail também para a secretaria, que é a secretaria@casadobrasildelisboa.pt e nós enviamos todas as informações. A cota são 4 euros por mês e, no primeiro mês, paga 6 euros de joia. Então fica tudo 10 [euros] no primeiro [mês], 4 da cota e 6 euros de joia, e do restante é sempre 4 euros. (Saiba mais aqui)
Com relação aos nomes da Casa do Brasil de Lisboa, parece que houve uma confusão recentemente. O que é preciso esclarecer?
Na verdade, da nossa parte, ficamos um pouco surpresos com o aparecimento de vários nomes da Casa do Brasil, porque a Casa do Brasil de Lisboa, como eu disse, tem 33 anos. Não é uma associação desconhecida do ponto de vista da comunicação social.
As pessoas conhecem, é uma associação registrada, inclusive. O que aconteceu foi uma surpresa para nós de aparecerem dois nomes. Isso causa confusão a mais nas pessoas. Não temos capacidade de abrir, até gostaríamos de ter outras pelo país, mas nós não temos essa capacidade.
Não há a possibilidade de trocar o nome daqui?
Não, jamais. A Casa Brasil de Lisboa é uma associação reconhecida, registrada inclusive, que tem 33 anos de trabalho é uma associação extremamente relevante e quando eu digo isso é uma questão do passado, porque esteve em muitas lutas, reivindicações e construiu esse percurso.
A Casa do Brasil é uma associação que tem um prestígio que é fruto do trabalho de muitas pessoas do passado, não é de agora, não é da gestão que está começando agora, não é da gestão que terminou ano passado. É um percurso de 33 anos, né? Então, há um chão por aí.
A Casa do Brasil tem diálogo com a Aima? De que forma?
De duas formas nesse momento: uma que sempre existiu, com a Aima, com o [antigo] SEF, que é essa intermediação entre os imigrantes e o serviço público, mandando e-mail, pedindo ajuda, reclamando, reivindicando etc. E, agora, nós fazemos parte da Estrutura de Missão porque temos lá mediadores que estão trabalhando na recolha dos dados biométricos e na triagem desse processo pendentes que a Aima herdou do SEF.
São quantos funcionários da associação por lá?
São 26. São sete associações que fazem parte, uma delas é a Casa do Brasil. Outros podem ter mais, não sabemos, mas ao todo acho que são noventa e 26 são da Casa do Brasil.
Existe diálogo entre as associações de imigrantes, por exemplo a Casa do Brasil de Lisboa, com o governo?
Sim, sim, existe. Independente das posições partidária, nós sempre dialogamos com todas as instituições porque, seja pra reivindicar, seja pra melhorar, nós estamos aqui pra trabalhar pelas pessoas imigrantes. Não fazemos, obviamente, nenhum alinhamento com instituições ou forças políticas de extrema direita ou fascistas que sejam, mas há um alinhamento de diálogo para reivindicar o direito e a dignidade das pessoas imigrantes.
Então, seja com governos do PS, seja com governos do PSD, nós dialogamos. A Casa do Brasil faz parte do Conselho das Migrações, por exemplo, e fez parte quando era o governo do PS. Agora o governo do PSD faz parte também.
E com o governo brasileiro, como é o diálogo?
Temos diálogo com o governo brasileiro, seja na embaixada ou nos consulados.
Eles são participativos? Eles dão respostas, ajudam?
Sim, nos últimos três anos, talvez, o consulado e a embaixada se aproximaram bastante, até pra gente aqui tentar ultrapassar algumas questões da comunidade brasileira. A gente tinha dificuldades de marcação, tinha dificuldade de falar com o consulado.
Nós tentamos aqui passar o que nós recebíamos de dificuldade para eles tentarem melhorar. Isso teve esse diálogo. Já recebemos ministros, presidentes aqui na casa, a presidente Dilma já esteve aqui. Isso é da história da Casa do Brasil.
Nós não temos nenhum vínculo com nenhum governo, seja de Portugal, seja do Brasil. Nem vínculo e nem recebemos nenhum dinheiro, seja do governo brasileiro, seja do governo português.
Mais uma vez, toda a nossa sustentabilidade é projeto que nós nos candidatamos e concorremos, sócios, doações, etc. Somos independentes.
Quais são os seus propósitos enquanto presidente da associação?
Uma das principais reivindicações é o combate ao racismo e à xenofobia. Claro, a volta da manifestação de interesse e a dignificação da autorização de residência CPLP, que parece que agora vão conseguir, de fato, criar um mecanismo para as pessoas pedirem aqui. Essa é uma das principais reivindicações e é um dos principais pontos do nosso horizonte para esse mandato, que eu espero ser partilhado, bastante coletivo.
Quando você fala em dignificação da CPLP, seria transformar ela numa autorização de residência como as outras?
Sim, tornar uma autorização de residência em que as pessoas possam circular e ter, enfim, plenamente o exercício dos direitos e também renovar, né?
Você acha que o fim da manifestação de interesse joga mais pessoas para a irregularidade?
A manifestação de interesse, do meu ponto de vista, é um mecanismo fundamental para Portugal, porque, não tem como negar isso, permite regularização através de trabalho. Essas pessoas se regularizaram através do trabalho. Isso indica que há uma falta de mão de obra em Portugal e que as pessoas vêm para cá, trabalham aqui, contribuem, e não conseguem se regularizar agora porque o mecanismo da manifestação de interesse foi revogado.
Empurra as pessoas para a irregularidade administrativa, sujeitas à exploração laboral, sujeitas a todo tipo de precariedade, sujeita à violação dos direitos, seja trabalhistas, seja humanos, e isso vai ser um problema muito grande no longo prazo.
É um prejuízo muito grande para um país que precisa de mão de obra, que tem um déficit demográfico, uma pirâmide demográfica invertida, que a segurança social precisa dessa contribuição para poder garantir a sua sustentabilidade no longo prazo. Parece contraditório, não é?
Mas se você fecha o fluxo, ele vai se canalizar para outro tipo de imigração, que é mais perigoso, desumano e precário, sujeito, por exemplo, a tráfico e máfias mesmo, que é tudo o que nós não queremos.
É justamente com essa justificativa que se extinguiu a manifestação de interesse. Acaba sendo uma contradição do próprio governo?
Acho que Portugal, infelizmente, com esse novo governo, tem bebido dessa agenda política. Há uma agenda política interna que criminaliza a imigração e tenta fazer uma guerra cultural por essa diversificação dos fluxos da imigração, com base no desconhecimento, com base no racismo, com base no preconceito. As pessoas imigrantes utilizam pouquíssimos apoios sociais. Mais contribuem do que utilizam, na verdade.
Como você enxerga o trabalho do ministro António Leitão Amaro na gestão da imigração em Portugal?
O ministro tem o papel de defender o governo, ele está com uma pasta importante. Acho que muitas vezes mais se esquiva do que tenta dar resposta, muito honestamente, e não vejo como... É difícil responder a isso porque, mais uma vez, tem tudo tão complexo e debatido nesse momento que acho que ele nem é o protagonista.
Acho que ele é o mensageiro do governo e tenta defender ali essas políticas que nós não concordamos e que são completamente contrárias aos direitos humanos, do meu ponto de vista. Não tenho uma opinião sobre a pessoa dele, acho que ele faz o papel dele que, infelizmente, qualquer outro faria.
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