Braga Netto, durante a cerimônia militar de promoção de Graduados do Quadro Especial de Sargentos, na Base Aérea de Brasília, em abril de 2022 Crédito: Marcelo Camargo, Agência Brasil

Braga Netto, durante a cerimônia militar de promoção de Graduados do Quadro Especial de Sargentos, na Base Aérea de Brasília, em abril de 2022 Crédito: Marcelo Camargo, Agência Brasil

A prisão do general que, segundo a PF, tramou um golpe

Os bastidores da detenção de Braga Netto, general de Exército e ex-ministro de Bolsonaro

28/01/2025 às 14:21 | Brasil
Publicidade Banner do projeto - Oxigênio Financeiro

Eram 5 horas e 30 minutos do sábado 14 de dezembro de 2024, quando cerca de dez militares chegaram na frente da sede da Superintendência da Polícia Federal, no centro do Rio de Janeiro. 

Eles estavam atendendo a ordens da alta cúpula militar de Brasília, capital do Brasil, e ainda não sabiam qual era a missão daquela manhã. 

O relato a seguir de dois integrantes da operação foi feito sob a condição de anonimato ao CLIP para esta reportagem, assinada pela jornalista Juliana Dal Piva, colunista da BRASIL JÁ. No grupo de dez militares, estava um coronel e os demais eram oficiais de patentes inferiores. 

Ao chegar à sede da PF no Rio de Janeiro, eles se encontraram com um grupo de policiais federais que tinham em mãos um mandado de busca e apreensão emitido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

O papel dos militares era apenas o de acompanhar a operação porque um militar de alta patente seria preso. Nenhum deles sabia, mas estavam a caminho do apartamento do general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro, em 2022. 

Mineiro de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, o militar tem 67 anos e entrou para o Exército em 1975. Em cerca de trinta minutos, Braga Netto estaria preso. Os policiais federais, no comando da operação, informaram aos militares que apenas parte do grupo ia seguir junto com eles em dois carros. 

A orientação dada era para uma operação sigilosa, ágil e discreta. Tudo já vinha sendo preparado pelos policiais desde o dia anterior, a sexta (13). Como o general estava em Maceió, capital de Alagoas, em uma viagem de férias com a família, decidiram pelo sábado. 

Já no Nordeste, Braga Netto vinha sendo monitorado. Ao saber que ele tinha um voo de Maceió para o Rio de Janeiro, a PF acompanhou o embarque e destacou uma viatura com agentes para monitorar a chegada dele à capital do Rio de Janeiro. 

Os policiais ainda o acompanharam do aeroporto, na noite de sexta (13), até a chegada em casa, um apartamento que fica na rua Figueiredo Magalhães, uma das mais tradicionais do famoso bairro de Copacabana. 

Queriam ter certeza de que o deslocamento na manhã seguinte seria preciso. Assim, pouco depois de se reunirem na sede da PF, na manhã de sábado (14), policiais e militares dividiram-se em dois carros descaracterizados e foram até o edifício chamado de “El Cid”, o prédio onde o general Braga Netto vive com a família no Rio de Janeiro. 

Ao chegar ao local, os policiais, que já sabiam que o general era o alvo, não puderam deixar de notar a coincidência. O general ia ser preso, em grande medida, pelas informações prestadas pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, em sua colaboração premiada. 

Os militares, porém, só entenderam quem estavam prendendo quando chegaram à porta do apartamento. O grupo entrou pela garagem, informando para a portaria que estavam cumprindo mandados judiciais e que os porteiros não deviam informar ao dono do apartamento que eles estavam subindo. 

O prédio é um desses amplos, de arquitetura clássica e antiga de Copacabana, e tem um apartamento por andar. Dois elevadores atendem aos moradores. 

Metade do grupo que iria efetuar a prisão subiu pelo elevador social, que possui uma porta com saída direta para a entrada do apartamento, e outro usou o elevador de serviço, por onde se deslocam funcionários.

Um dos policiais tocou a campainha e quem abriu a porta foi logo o general Braga Netto, vestido de shorts e uma camisa de pijama, ambos de um branco com azul. 

O diálogo foi descrito assim ao CLIP por duas fontes presentes:

— Bom dia general, estamos aqui para cumprir uma decisão do ministro Alexandre de Moraes. É um mandado de busca e prisão preventiva. 

— Prisão preventiva? Mas nem me chamaram para depor — respondeu o general.

— O senhor tem que ver isso com seu advogado. A minha intenção é ser célere e discreto para preservar a imagem do senhor — completou o policial. 

— Agradeço. Tão na casa do Heleno também? — questionou Braga Netto, sem perguntar nada sobre Bolsonaro. 

A menção ao colega general da reserva Augusto Heleno não era sem razão. 

Heleno foi ministro do Gabinete de Segurança Institucional de Bolsonaro. Ele e Braga Netto constavam em um documento, encontrado pela PF com os investigados, como os líderes de um gabinete transitório que iria assumir o país após a conclusão do golpe de Estado planejado após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022.

image.png 544.93 KB

— Posso entrar em contato com meu advogado? — questionou o general.

— Pode. Deixa só ver as armas" — respondeu um dos policiais.

— Ah, as armas vocês levaram da outra vez — relembrou Braga Netto, ao citar as duas pistolas que foram apreendidas em fevereiro, em outra grande operação policial feita para investigar a tentativa de golpe de estado.

Pouco depois que os militares e policiais entraram no amplo apartamento, o general pediu autorização para telefonar para seu advogado e chamá-lo ao local. Em seguida, o celular dele foi apreendido e os investigadores começaram a busca e apreensão de documentos, armas e dinheiro. 

Na medida em que o barulho da chegada do grupo avançou pela casa, a mulher do general, a filha e o genro acordaram e vieram para a sala. Os três foram orientados a ficar sentados no sofá enquanto Braga Netto se trocava para sair preso com os policiais. 

Ninguém chorou. Estavam todos aborrecidos, mas nenhum deles se desesperou diante dos policiais e militares. Braga Netto levou cerca de 40 minutos para tomar banho e se arrumar para sair com os policiais. 

Nesse meio tempo, os militares que acompanhavam a operação demonstraram o constrangimento em prender um general. Um deles chegou a dizer que foi a missão mais difícil que recebeu na carreira.

Quando Braga Netto finalmente ficou pronto, ele saiu andando com os investigadores pela porta da frente. 

Não foi algemado e saiu do elevador direto para uma das viaturas na garagem. Sentou-se no banco de trás do carro e ficou no meio de dois policiais como qualquer outro criminoso preso pela PF. 

No caminho de Copacabana até o Centro, para aliviar a tensão, o grupo dentro do carro começou a falar amenidades. Primeiro, falaram do Botafogo. O general é torcedor do time que foi campeão da Libertadores em 2024. Depois, ele se queixou do Exército e criticou um projeto de previdência dos militares e, em 20 minutos, estavam de volta ao centro da cidade. 

Na Superintendência da PF, a prisão do general foi formalizada. Ele foi levado para uma sala e renunciou ao exame de corpo de delito para evitar a exposição. A ordem de evitar qualquer ato de espetacularização foi seguida à risca. 

Tanto é que ninguém possui imagens do momento em que ele saiu de sua casa em Copacabana com os policiais. Apenas uma foto foi captada quando Braga Netto chegou à Superintendência da PF. 

Enquanto os policiais faziam a burocracia, o general tomou um café e foi recebido pelo superintendente interino da instituição. A iniciativa, porém, gerou novos desabafos:

— Fui melhor tratado pela PF do que pelo Exército. Colocaram um “pica-fumo” para me prender — reclamou Braga Netto, ao se queixar de que um coronel liderava a prisão, não um general. A ausência de um militar com uma patente igual à dele causou irritação em Braga Netto.

Nas histórias de quem se formou no Exército, restou que a tropa costumava fumar charuto ou cigarro de palha nas marchas. Assim, o mais jovem oficial do Regimento de Cavalaria era responsável por picar o fumo de rolo e prepará-lo para seu comandante e alguns oficiais superiores. 

Dali em diante, passou que “pica-fumo” é o modo como os militares mais experientes chamam os tenentes mais jovens. 

Outras ausências também foram notadas. Desde o momento em que foi preso, o general não mencionou o nome de Jair Bolsonaro. Quem acompanhou o episódio avalia que ele contava com a possibilidade de ser preso e já fazia seu cálculo.

A prisão foi formalizada e a PF entregou o general aos militares para que a custódia ficasse a cargo do Exército. Essa também foi a ordem que veio de Brasília. Assim, Braga Netto foi encaminhado para a 1ª Divisão do Exército, que é subordinada ao Comando Militar do Leste e fica na Vila Militar, na Zona Oeste da cidade. 

Poucos militares conhecem as instalações do CML tão bem quanto Braga Netto. Ele comandou a instituição entre 2016 e 2019. 

Assim, foi preso o primeiro general quatro estrelas da história democrática do Brasil. Antes disso, o marechal Hermes da Fonseca tinha sido preso duas vezes em 1922. Mas o Brasil dos anos 1920 não é comparável ao país de 2024. 

Braga Netto foi extensivamente investigado em um país democrático, coisa que não se pode dizer sobre o ocorrido no início do período republicano do Brasil. 

Braga Netto tem direito à defesa e nega todas as acusações, embora seja muito difícil imaginar como sua defesa será feita após a Polícia Federal descobrir provas do envolvimento dele em um plano para assassinar o então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e o vice, Geraldo Alckmin, além de um ministro do Supremo Tribunal Federal.  

A prisão de Braga Netto é o episódio mais recente e grave após a conclusão das investigações sobre uma tentativa de golpe de Estado no Brasil após a derrota de Jair Bolsonaro para Lula nas eleições de novembro de 2022. 

Depois de dois anos de investigação, a PF decidiu apontar, em 21 de novembro de 2024, o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 39 pessoas por uma série de crimes. 

A investigação da PF descreve em 88 páginas documentos que foram encontrados em celulares, pendrives e computadores que demonstram como, entre novembro e dezembro de 2022, algumas das principais lideranças das Forças Armadas do Brasil planejaram um golpe de estado que incluía até o planejamento do assassinato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e de Alexandre de Moraes, ministro do STF. 

E no centro do plano golpista e violento estaria justamente o general Braga Netto. Ao pedir a prisão, os investigadores apontaram que o delator Mauro Cid denunciou ter presenciado quando Braga Netto teria entregado dinheiro vivo em uma caixa de vinhos para financiar o plano golpista em 2022. 

Duas fontes próximas à investigação revelaram à reportagem, sob condição de permanecer em anonimato, que ele tentou obter dinheiro dentro do Partido Liberal, a que está filiado Bolsonaro, para entregar aos militares que estavam traçando o plano do golpe marcado para o dia 15 de dezembro de 2022. 

No entanto, com medo de levantar suspeitas, ele optou por obter dinheiro junto a empresários do agronegócio. 

Na legislação brasileira, o indiciamento é um passo anterior ao oferecimento da denúncia criminal, que é feito pela Procuradoria-Geral da República. 

Com isso, Bolsonaro pode se tornar o primeiro presidente da História do Brasil a ser alvo de um processo para ser responsabilizado por tentativa de golpe contra a democracia. Ele também, poderá se tornar o primeiro na América Latina a ser condenado após o uso de informações falsas para planejar um ataque contra a democracia.

Após a emissão da ordem de prisão pelo STF, os investigadores chegaram a discutir sobre quando efetuar o cumprimento do mandado e a data 13 de dezembro, aniversário do Ato Institucional número 5, um decreto da ditadura que permitiu, por exemplo, uma série de prisões arbitrárias e afundou de vez a população brasileira na violência da ditadura a partir de dezembro de 1968. 

Os policiais pensaram que prender Braga Netto no aniversário do AI-5 podia soar uma provocação. No entanto, o sábado, 14 de dezembro, é o aniversário da ex-presidente Dilma Rousseff, petista e ex-integrante de um dos grupos de guerrilha armada contra a ditadura. Em resumo, eles avaliaram que não tinha data perfeita.

Plano Punhal Verde e Amarelo

Dados localizados em celulares e computadores dos investigados da Operação Tempus Veritatis, em 8 de fevereiro de 2024, mostram que, em 9 de novembro de 2022, apenas cinco dias depois da live de Cerimedo, o general Mário Fernandes, ex-chefe-substituto da Secretaria Geral da Presidência, imprimiu um plano para descrever ações armadas que visavam impedir a posse de Lula num golpe. 

Segundo as investigações, o documento seria apresentado para o general Braga Netto. 

No relatório da PF, é descrito que o “documento denominado 'punhal verde amarelo' foi elaborado e impresso no dia 9 de novembro de 2022, no Palácio do Planalto, sede da Presidência da República, pelo Secretário-executivo da Secretaria-geral da Presidência, general Mário Fernandes”. 

Dados obtidos pelas antenas de celular mostram que Jair Bolsonaro estava no edifício no momento da impressão.

O plano golpista “descreve o levantamento da estrutura de segurança do ministro Alexandre de Moraes, os meios que deveriam ser empregados e a ação final de prisão/execução do ministro. 

O planejamento também estabelece a possibilidade, dentre as ações dos “Kids Pretos”, de assassinarem o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva por envenenamento ou uso de químicos, e o então vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, com a finalidade de extinguir a chapa presidencial vencedora”. 

“Kids Pretos” é o apelido dado a militares que se formam no curso de Operações Especiais do Exército Brasileiro.

Em um relatório, a PF aponta que também encontrou dados em celulares dos investigados sobre uma reunião no apartamento funcional de Braga Netto, em Brasília, dias depois da produção do plano. 

image.png 1.01 MB

No dia 12 de novembro de 2022, com a produção do plano golpista em andamento, o general Braga Netto recebeu os golpistas em sua residência funcional em Brasília, localizada na SQS 112, Bloco B. 

Segundo o depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o encontro teve o objetivo de discutir as ações do plano de assassinato.

Cid também relatou à PF que, alguns dias depois, presenciou o momento em que o general Braga Netto entregou uma quantidade de dinheiro vivo dentro de uma sacola para carregar vinhos. O valor, que ele não soube precisar, tinha como objetivo financiar a execução das ações do plano “punhal verde e amarelo”. 

A reportagem descobriu que, no depoimento para os investigadores, Cid relatou que Braga Netto tentou obter esses valores junto ao PL, o Partido Liberal. O objetivo seria utilizar recursos públicos lançados de modo fraudulento na prestação de contas do partido à Justiça Eleitoral. 

No entanto, o general foi dissuadido devido aos riscos envolvidos e da possível descoberta. Assim, segundo Cid, o dinheiro entregue pelo general na sacola de vinho foi “obtido junto ao pessoal do agronegócio”. Os nomes das pessoas que teriam entregado o dinheiro não foram revelados.

Após a reunião realizada na casa de Braga Netto, os investigados passaram a distribuir entre si um documento intitulado “Copa 2022”, que teria sido aprovado durante o encontro para avalizar a atuação dos “kids pretos” na execução do plano golpista. 

O documento chegava a indicar as necessidades iniciais de logística e recursos para custear a operação clandestina. 

image.png 401.28 KB

100 mil reais

Antes da descoberta dessa reunião e da entrega do dinheiro, a PF tinha identificado mensagens entre Mauro Cid e outro militar falando sobre a necessidade de arrecadar cerca de 100 mil reais, cerca de 20 mil dólares.  

Foi identificada uma troca de mensagens no Whatsapp no dia 14 de novembro de 2022, entre Cid e o major Rafael Martins de Oliveira. Martins afirmou que precisaria do dinheiro para arcar com custos. 

Cid solicita que Martins faça estimativa de custos com hotel, alimentação e material, e pergunta se a quantia de 100 mil reias é suficiente. Martins responde que sim e é orientado por Cid a trazer pessoas do Rio.

 

image.png 273.91 KB

Segundo os investigadores, os valores entregues pelo general Braga Netto estariam relacionados a necessidade de obter esse total de 100 mil reais. O plano chegou a ser colocado em prática, conforme mostram mensagens dos celulares dos militares, mas foi interrompido durante sua operação.

Outras ações do plano golpista: Operação 142

Em um dos trechos do relatório da PF, é apresentado ainda um outro detalhamento de medidas de exceção a serem tomadas para evitar a posse do presidente eleito, Lula. Os golpistas deixam claro como queriam interromper o processo de transição por meio da Operação 142.

O documento, encontrado na mesa do assessor do general Braga Netto durante operação de busca e apreensão autorizada pela justiça na sede do PL, descreve que o plano tinha “o objetivo de subverter o Estado Democrático de Direito, utilizando uma interpretação anômala do artigo 142 da CF [Constituição Federal], de forma a tentar legitimar o golpe de Estado”.

No texto “Lula não sobe a rampa” há “clara alusão ao impedimento de que o vencedor das eleições de 2022 assumisse o cargo da presidência”. Os golpistas citaram anulação das eleições e impedimento de efetivação de Lula no cargo presidencial, o que leva a crer que o documento foi escrito entre novembro e dezembro de 2022.

Documentos apreendidos pela PF também mostram como o general Braga Netto e o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, iriam chefiar um gabinete ligado à Presidência da República para apoiar Bolsonaro na implementação de um decreto golpista após a consumação do golpe. 

O gabinete iria articular redes de inteligência e estratégias de comunicação para conquistar apoio nacional e internacional.

Os investigadores também arrecadaram mensagens de Braga Netto pressionando os comandantes da Aeronáutica e do Exército a aderirem ao plano. Entre as estratégias de “milícia digital”, ele teria incentivado ataques públicos e pessoais contra generais que se recusaram a aderir ao plano e seus familiares. 

Em depoimento à PF, ambos os comandantes contaram que foram chamados para reuniões com Bolsonaro para aderir ao golpe. Eles afirmaram, no entanto, que recusaram as ações. 

O ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior afirmou que o general Marco Antonio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, ameaçou prender Bolsonaro caso ele desse ordens para uso das tropas em um golpe.

Uso da desinformação

No relatório, a Polícia Federal documenta que os “ataques às urnas eletrônicas não se iniciaram após o segundo turno das eleições presidenciais de 2022”. Os investigadores assinalam que “o grupo ora investigado, desde o ano de 2019, já propagava essa ideia. O objetivo era sedimentar na população a falsa realidade de fraude eleitoral”.  O objetivo seria justamente se preparar para, em caso de derrota de Bolsonaro em 2022, utilizar o discurso como fundamento para alegar uma fraude.

Os policiais apontam que, durante todo o processo, os investigados “se utilizaram do modus operandi da denominada milícia digital”. (Inquérito 4874/DF). 

Assim, “os produtores de dados falsos, difundiram em alto volume, por multicanais, de forma rápida, contínua e repetitiva a ideia de que tanto nas eleições de 2018 quanto nas eleições de 2022 foram identificadas diversas vulnerabilidades nas urnas eletrônicas, que “teriam revelado” a arquitetura de uma grande fraude para prejudicar unicamente o então presidente da República Jair Bolsonaro”. 

Os investigadores denunciam a existência de uma organização criminosa organizada em seis núcleos de atuação. 

São eles: o Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral; Núcleo Responsável por Incitar Militares a Aderirem ao Golpe de Estado; Núcleo Jurídico; Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas; Núcleo de Inteligência Paralela; e Núcleo Operacional para cumprimento de medidas coercitivas. 

Até o momento, quartenta pessoas foram apontadas como integrantes da organização criminosa.

No núcleo de desinformação, estão o integrante do chamado “gabinete do ódio” Tércio Arnaud Thomaz, ex-assessor especial de Jair Bolsonaro, e o consultor argentino Fernando Cerimedo, conforme o CLIP havia adiantado em abril deste ano. 

Desde 2018, Thomaz é apontado em reportagens na imprensa brasileira como um funcionário de Bolsonaro responsável pela difusão de informações falsas e ataques a adversários com uso de perfis anônimos. Ele havia sido apontado como difusor de informações falsas nos relatórios da Meta produzidos pelo Atlantic Council, em 2020.

A Polícia Federal aponta que arrecadou mensagens e documentos que mostram como “logo após o término do segundo turno das eleições presidenciais, mesmo cientes da inexistência de fraudes nas eleições realizadas em 2022, o núcleo responsável em promover ações que pudessem desacreditar o processo eleitoral brasileiro, seguindo o planejamento da empreitada criminosa, começou a atuar de forma mais incisiva, utilizando a metodologia desenvolvida pela milícia digital para reverberar por multicanais a ideia de que as eleições presidenciais de 2022 foram fraudadas, estimulando seus seguidores a 'resistirem' na frente de quartéis”. 

Três oficiais militares passaram a difundir estudos falsos. Cerimedo, então, utilizou essas informações. “O mesmo conteúdo falso foi utilizado pelo argentino Fernando Cerimedo” para disseminar, por meio de uma live, realizada no dia 04 de novembro de 2022, “o que ele chamou de 'investigação' sobre as eleições brasileiras e indicaria uma suposta disparidade nos sistemas das urnas de 2020 em comparação com modelos de anos anteriores".

Tudo o que foi apontado pelo grupo não possui nenhum lastro probatório, e eles mesmo chegaram a admitir em mensagens internas.

Além do planejamento do golpe com os assassinatos, o general Mário Fernandes também foi flagrado orientando como deveriam ser produzidas as mensagens nas faixas de apoiadores de Jair Bolsonaro. 

Logo após a derrota nas eleições, diversos apoiadores de Bolsonaro ocuparam estradas e montaram acampamentos em frente a quartéis do Exército.

A PF verificou trocas de mensagens, no dia 7 de novembro de 2022, entre Fernandes e outros militares com um documento cujo título era “Faixas”. “O arquivo contém frases dentro de retângulos, com dizeres como “LIBERDADE SIM, CENSURA NÃO”, “RESPEITO A CONSTITUIÇÃO, CONTAGEM PÚBLICA DOS VOTOS”, “SOS FORÇAS ARMADAS”, “NÃO A DITADURA DO JUDICIÁRIO”, “NOVAS ELEIÇÕES PARA PRESIDENTE“. 

O advogado José Luis Oliveira Lima, que passou a defender Braga Netto dias depois da prisão, informou que “ele nunca mencionou qualquer irritação relacionada ao cumprimento do mandado de prisão”. 

Além disso, informou que o general “nega expressamente a prática de qualquer ato ilícito, em especial a alegada entrega de dinheiro vivo”.

As defesas do general Mário Fernandes e do ex-presidente Jair Bolsonaro foram procuradas na terça (21) e não retornaram até a publicação.

Esta reportagem é uma investigação jornalística que busca desvendar a desinformação política no “super ano eleitoral” de 2024 na América Latina. Liderado pelo Centro Latino-americano de Investigação Jornalística (CLIP) em aliança com ICL Notícias, Aos Fatos y Intercept (Brasil), El Faro (El Salvador), Lab Ciudadano (Honduras), Animal Político e Mexicanos Contra la Corrupción (México), La Prensa y Foco Panamá (Panamá), IDL Reporteros y Ojo Público (Perú), Diario Libre (República Dominicana), El Observador (Uruguai), Fake News Hunters, Cocuyo Effect, ProBox, C-Informa e Medianalisis (Venezuela).

MENSAGEM AOS LEITORES


Jornalismo brasileiro na Europa


Você, leitor, é a força que mantém viva a BRASIL JÁ. Somos uma revista brasileira de jornalismo em Portugal, comprometida com informação de qualidade, diversidade cultural e inclusão.


O assinante da BRASIL JÁ recebe a revista no conforto de casa, acessa conteúdos exclusivos no site e ganha convites para eventos, além de outros presentes. A entrega da edição impressa é para moradas em Portugal, mas nosso conteúdo digital, em língua portuguesa, está disponível para todos.


Ao assinar a BRASIL JÁ, você participa deste esforço pela produção de informação de qualidade e fica por dentro do que acontece de interessante para os brasileiros na Europa e para todos os portugueses que valorizam a conexão das identidades entre os dois povos.


Participe da BRASIL JÁ. Seja bem-vindo!


Apoie a BRASIL JÁ

Últimas Postagens